Grandes redes se beneficiam do trabalho infantil na indústria da moda, diz auditor

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20/07/2018|

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Mesmo longe dos olhos dos consumidores, o trabalho infantil na indústria da moda e no setor têxtil como um todo ainda é forte e envolve indiretamente até grandes marcas e varejistas do mercado da moda. Essa é a avaliação da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Infantil e Promoção da Aprendizagem do Ministério do Trabalho (MTb), consultada pela Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil.

“Não é incomum que se alegue a falta de conhecimento de uma grande rede de roupas acerca da origem da matéria-prima ou mesmo das peças que a marca comercializa”, diz o chefe da divisão, Antônio Alves Mendonça Júnior.

Segundo ele, a informalidade e a falta de transparência da cadeia produtiva favorecem a contratação irregular de crianças e jovens especialmente por parte de fornecedores do setor, que engloba o cultivo de fibras e a atividade em pequenas fábricas, por exemplo. “Se a marca paga um valor irrisório por uma peça de roupa, ela, certamente, poderia deduzir as condições do trabalho de quem fabricou aquela roupa.”

Instalações têm pouca luz natural e eletricidade é prioridade das máquinas de costura. Crédito: Claudio Montesano Casillas © 2017

Crianças em meio a máquinas de costura em instalação com pouca luz e sem eletricidade

Crédito: Crédito: Claudio Montesano Casillas © 2017

O setor têxtil empregou 1,4 milhão de pessoas diretamente em 2017 e 8 milhões considerando também as contratações indiretas. Foi o segundo maior empregador da indústria de transformação do país e o segundo em oportunidades para o primeiro emprego, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Veja, a seguir, uma entrevista que fizemos com Mendonça Júnior e entenda um pouco mais sobre o papel dos auditores fiscais do trabalho no combate ao trabalho infantil no setor têxtil – e saiba como você pode ajudar.

A indústria têxtil tem fornecedores que vão de grandes empresas  a pequenos produtores. O setor impõe particularidades para a fiscalização por parte dos auditores fiscais do trabalho?
Certamente. As atividades em que se localizam o trabalho infantil determinam a forma de atuação da auditoria fiscal do trabalho. Há atividades em que o único beneficiário da exploração do trabalho infantil é o explorador imediato da mão de obra. Isso ocorre, por exemplo, quando crianças e adolescentes são aliciados para a venda de produtos em espaços abertos, repassando o valor auferido a quem realizou a distribuição do trabalho.

Nesse caso, o auditor fiscal do trabalho deve apenas realizar o afastamento da criança ou adolescente do trabalho, acionando a rede de proteção para garantir os direitos de todos com menos de 18 anos.

Por outro lado, há outras situações em que há diversos beneficiários da exploração da mão de obra infantil. A indústria têxtil é o exemplo dessa segunda hipótese. Em regra, o explorador imediato da mão de obra sequer é o maior beneficiado por aquela exploração. Não é incomum que grandes redes de venda e varejo de roupas se beneficiem da exploração do trabalho infantil. Essa realidade impõe a necessidade de uma conduta diversa à auditoria fiscal do trabalho. Não basta realizar o afastamento da criança e do adolescente e o acionamento da rede de proteção. É preciso encontrar elementos de convicção para responsabilizar os grandes beneficiários daquela exploração.

Quais são os pontos mais suscetíveis ao trabalho infantil na cadeia produtiva da indústria da moda?
De acordo com a experiência do MTb, em regra, o trabalho infantil é identificado nas atividades rurais (plantio de algodão, por exemplo), que dão origem à matéria-prima, e na fabricação, principalmente nas pequenas fábricas, que prestam serviços a grandes marcas. No comércio, ainda é possível identificar crianças e adolescentes trabalhando, porém em menor número que no cultivo da matéria-prima, e na fabricação das roupas.

Quais são os casos mais comuns de trabalho infantil no setor têxtil?
Há muitos casos de trabalho infantil, valendo enfatizar o trabalho infantil em meio rural e em pequenas fábricas de costura. É certo que o MTb identifica casos de trabalho infantil muito associados a casos de escravidão, ou em contextos em que há infração a diversos outros atributos trabalhistas. Por exemplo, onde se identifica estrangeiros em situação de exploração de mão de obra, sempre se identifica também crianças e adolescentes.

Onde e como normalmente é feita a fiscalização direta nesse setor?
O projeto de Combate ao Trabalho Infantil e Adolescente Trabalhador é obrigatório em todas as Superintendências Regionais do Trabalho do Brasil. Portanto, as fiscalizações ocorrem em todo o território nacional.

No caso da indústria têxtil, há polos de produção de matéria-prima, como há também de fabricação. Portanto, o planejamento para fiscalização nestes locais considera esses polos. Em regra, a inspeção se inicia com uma visita à empresa. Feita essa visita, muitos desdobramentos são possíveis, variando desde o retorno ao local em nova data, agendada ou não, até a emissão de uma notificação para comparecimento do explorador ao Ministério do Trabalho. A variação dos desdobramentos se deve inclusive à verificação ou não da infração.

E a fiscalização indireta, como é feita?
A modalidade indireta de fiscalização é comumente utilizada para as fiscalizações de FGTS e de inclusão de aprendizes e pessoas com deficiência no mercado de trabalho. As fiscalizações de combate ao trabalho infantil dependem, em regra, da verificação do trabalho da criança e do adolescente no local, e, portanto, ficam bastante vinculadas à visita do auditor fiscal do trabalho ao local da prestação de serviço.

Qual é o procedimento tomado pelo ministério quando são identificados casos de trabalho infantil no setor têxtil?
Há diversos procedimentos possíveis, a depender das características do trabalho identificado. Contudo, certamente, o auditor fiscal do trabalho determinará o imediato afastamento da criança e do adolescente do trabalho, exigindo o pagamento das verbas rescisórias, sempre que não for possível realizar um procedimento de adequação de funções para adolescentes de 16 e 17 anos.

Além disso, a rede de proteção da criança e do adolescente, em especial o Conselho Tutelar, que é um órgão obrigatório de âmbito municipal, conforme determinação do ECA, será acionada. Ademais, sempre que o adolescente se encontrar em idade para enquadramento no Programa de Aprendizagem Profissional, o auditor do Trabalho buscará realizar essa intermediação entre empresa, adolescente e entidade formadora.

A fabricação “terceirizada” e o desconhecimento de origem dos produtos são um problema nesse setor? Por quê?
Com certeza. O Direito ainda precisa evoluir muito para consolidar a responsabilidade da cadeia produtiva. Não é incomum que se alegue a falta de conhecimento de uma grande rede de roupas acerca da origem da matéria-prima ou mesmo das peças que a marca comercializa. Contudo, perguntas são imperativas: a marca não deve saber a origem do seu produto? Não deve se responsabilizar pelo produto sobre o qual lucra? Onde está o dever de vigilância? Uma coisa é fato: se a marca paga um valor irrisório por uma peça de roupa, ela, certamente, poderia deduzir as condições do trabalho de quem fabricou aquela roupa.

Como a população pode denunciar casos de exploração do trabalho infantil?
O auditor fiscal do trabalho é a autoridade competente para fiscalizar a correta aplicação da norma trabalhista. Apesar de a Inspeção do Trabalho já contar com uma programação normal de fiscalizações a serem realizadas, o cidadão trabalhador pode apresentar denúncias, as quais serão verificadas pelo auditor fiscal do trabalho, assim que possível. As denúncias podem ser realizadas das seguintes formas:

  • Nos plantões fiscais, os quais são atendimentos personalizados ao cidadão, executados diretamente pelo auditor fiscal do trabalho, em determinados dias e horários, oportunidade na qual é possível tirar dúvidas ou apresentar denúncias;
  • De forma escrita. Neste caso, não há qualquer formalidade, podendo a denúncia ser realizada em formulários disponibilizados pelo órgão local do Ministério do Trabalho (Superintendência Regional do Trabalho, Gerência Regional do Trabalho ou Agência Regional do Trabalho), ou ainda sem os referidos formulários, desde que de forma escrita e que sejam fornecidas as informações mínimas para possibilitar uma ação fiscal por parte do auditor fiscal do trabalho;
  • Há ainda a possibilidade de ligar para o telefone “100”, para denúncias de trabalho escravo e trabalho infantil.

Entenda o que acontece quando você informa um caso de trabalho infantil

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