Trabalho infantil é considerado uma das formas de maus-tratos

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19/11/2019|

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Crédito: Banco de imagens ChildFund Brasil

Uma pesquisa perguntou a 5.500 crianças de 10 a 12 anos de quinze países qual seria a solução para a violência contra crianças. Mais de 60% responderam que era o amor. A resposta nos mostra que as crianças entendem que violência é falta de amor. Amor não é apenas um sentimento, mas um ato de cuidado e proteção.

De acordo com Águeda Pacheco de Melo Barreto, assessora de Advocacy do ChildFund Brasil – organização responsável pela pesquisa citada acima – o trabalho infantil tem total relação com a violência e os maus-tratos.

Lançada em setembro de 2019 pela ChildFund Alliance, a pesquisa Small Voices Big Dreams tem como tema a violência contra crianças explicada por elas mesmas. No Brasil, a organização ChildFund Brasil entrevistou mais de 700 crianças, para compor a amostragem global.

Crédito: Banco de imagens ChildFund Brasil

Outro dado que chamou atenção foi que mais de 40% das crianças acreditam que não são protegidas contra a violência de forma adequada, sendo que as meninas expressam uma maior percepção de insegurança. Uma em cada duas acredita que os adultos não ouvem suas opiniões sobre assuntos importantes.

Crédito: Banco de imagens ChildFund Brasil

Em conversa com a Rede Peteca, Águeda explicou por que o trabalho infantil é considerado uma das formas de maus-tratos. Confira trechos da entrevista:

Qual é a relação entre a violência o trabalho infantil?

Águeda Pacheco de Melo Barreto: Nós entendemos como maus-tratos todo tipo de violência contra criança que acontece por parte de alguém que está responsável por ela, seja da família ou não. Nós classificamos quatro categorias de violência exercida por quem deveria cuidar: violência física, psicológica, sexual e negligência.

O trabalho infantil é um tipo de violência. A negligencia é justamente quando não é oferecido algo imprescindível para a saúde ou para o desenvolvimento da criança. O trabalho infantil é uma forma de negligência e pode ser também uma violência psicológica e até trazer danos físicos.

Quando a gente deixa de oferecer o acesso à escola e quando a criança passa muitos períodos sozinha em casa ou nas ruas, ela perde direitos básicos, como educação e alimentação.

Mas apesar disso, sempre ressaltamos que é importante não culpabilizar a família. Nessas datas, precisamos reconhecer que estamos falhando como sociedade. Temos em nossa Constituição que a criança é prioridade absoluta, mas como está sendo feita a alocação de recursos para as políticas públicas para as crianças? Lógico que nenhum governo tem recursos ilimitados, mas se a criança é prioridade, os recursos também devem ser.

E quais seriam as melhores formas de combater essa cultura?

Águeda Pacheco de Melo Barreto: O trabalho infantil e outros maus-tratos podem ser combatidos na prevenção. A prevenção é eficaz quando conscientizamos e também oferecemos subsídios, porque claro que as famílias não querem que a criança trabalhe, mas muitas vezes não encontram outro caminho.

Quando reduzimos o trabalho infantil, automaticamente reduzimos os maus-tratos e a violência. No caso da violência psicológica, por exemplo, acontece porque a criança está sendo forçada a lidar com uma situação inadequada para a idade dela.

No Vale do Jequitinhonha, onde atuamos na temática em 2016, observamos que muitas crianças deixam de ir à escola nas temporadas do trabalho no café. Se a criança não tem com quem ficar, a família toda acaba se deslocando para a fazenda. É uma época difícil, que chega a durar um mês.

Quando não vai com os pais para a colheita, é também comum a criança mais velha ficar responsável pelos irmãos, principalmente as meninas, configurando o trabalho infantil doméstico.

Na questão de gênero, inclusive, as crianças disseram na pesquisa que reconhecem que as meninas estão mais sujeitas a muitos tipos de violência do que os meninos. Ou seja, as crianças percebem o que acontece. Elas já sabem muitas questões que estamos pautando como sociedade.

Por isso dizemos que a negligência é uma forma de maus-tratos, pois os problemas são complexos e interligados. A criança deixa de ir à escola e muitas vezes sequer tem acesso à alimentação e à água, o que impacta nas doenças e na desnutrição.

A família é o primeiro agente de proteção em uma perspectiva positiva. Se ela tem elementos e oportunidades para tratar bem as crianças, certamente vai fazer. Mas muitas vezes faltam oportunidades e ocorre a violência, que também vem da estrutura onde a família está inserida.

Embora a violência contra crianças não tenha classe social, raça e gênero, precisamos reconhecer que o tipo de exposição à violência varia muito de acordo com a classe social. O trabalho infantil, por exemplo, se conecta com a questão da pobreza e da vulnerabilidade social.

Por isso sempre digo que a prevenção compensa, até do ponto de vista econômico. Sai mais barato do que aos mecanismos de resposta que precisamos dar quando a violência chega no limite.

E qual é a percepção das crianças sobre a violência na pesquisa?

Águeda Pacheco de Melo Barreto: Na percepção das crianças, tivemos três principais apontamentos sobre as causas de violências. O primeiro deles é porque elas são indefesas com relação aos adultos. Depois é a falta de conhecimento sobre os direitos das crianças por parte das crianças e dos adultos. E o terceiro motivo é o uso de substâncias tóxicas, como álcool e drogas, por parte dos adultos quando cometem atos de violência contra crianças.

As respostam evidenciaram o quanto é importante valorizar a participação de crianças e adolescentes no combate à violência. Quando elas conhecem os direitos das crianças e os deveres dos adultos, elas se tornam capazes agir, de denunciar ou conversar com alguém que seja de confiança.

Muitas vezes a criança é violada sem saber disso. As situações de trabalho infantil e abuso sexual evidenciam essa questão. A criança acha que está tudo bem. No caso da exploração sexual, que é uma das Piores Formas de Trabalho Infantil, muitas vezes a vítima não tem conhecimento nenhum sobre o que acontece.

Nos casos de abuso, a vítima acha que é um carinho. Quando a criança sabe reconhecer o que é carinho e o que é abuso, ela se torna agente de conhecimento. Da mesma forma quando ela percebe que não deve trabalhar.

E como as crianças acreditam que pode ser solucionado esse problema da violência doméstica?

Águeda Pacheco de Melo Barreto: Quando perguntamos qual seria a solução para a violência contra crianças, mais de 60% responderam que para erradicar a violência contra crianças, os adultos deveriam exercer o amor com elas e também ter mais diálogo.

Essa resposta foi muito linda, pois nos fez refletir que as crianças entendem a violência como falta de amor. Elas colocam justamente o amor como a solução. O amor não é apenas um sentimento, mas também atitudes.

O amor não aparece na pesquisa como idealização ou romantização. Quando as crianças falam em amor, elas falam no amor direcionado. Como dizem por aí, quem ama cuida. Cuidar é olhar de fato, priorizar e escutar o que a criança diz. Como instituição, acreditamos que escutar uma criança é uma das ferramentas de combate à violência.

A violência doméstica acontece em ambientes privados e acaba sendo um problema obscuro. Por isso a escuta é tão importante. Escutar e observar os sinais se tornam ações importantes em diversas dimensões. As crianças ainda estão em desenvolvimento, mas já entendem muita coisa, sim.

Ter uma data de combate à violência domestica é muito importante para trazer a reflexão da sociedade nessa prevenção.A violência na infância tem consequências para o resto da vida.

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