Confira a sistematização do Projeto Chega de Trabalho Infantil na Indústria da Moda

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12/08/2020|

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Foi publicada a sistematização do Projeto Chega de Trabalho Infantil na Indústria da Moda, realizado pela Cidade Escola Aprendiz com apoio do então Instituto C&A, agora Fundação Laudes. O projeto foi finalizado em março com o atendimento de 129 crianças em situação de trabalho infantil na cadeia têxtil e em outras atividades na cidade de São Paulo. Clique aqui para conferir a sistematização.

Articuladora Aline Souza atende mãe boliviana na Feira Andina da Penha, na Zona Leste de SP

Ao longo de oito meses de experiência-piloto e seis meses de campo, foram identificadas 72 crianças em situação de trabalho infantil ou em risco de trabalho infantil na cadeia têxtil, que tem em São Paulo seu principal polo nacional. Elas são provenientes, em sua imensa maioria, de famílias bolivianas que vivem em 12 distritos da capital paulista na região central, norte e leste, em áreas que concentram oficinas de costura na cidade.

Outras 52 crianças brasileiras, envolvidas em formas diversas de trabalho infantil nestes distritos, como o trabalho infantil nas ruas e no comércio informal, também foram atendidas pelo projeto. Todas as famílias receberam orientação em relação à prevenção do trabalho infantil e foram acompanhadas para que pudessem matricular ou garantir a presença de seus filhos na escola.

mulher sentada atende duas outras mulheres que estão de pé em tenda montada em festival

Articuladora Elaine Xavier orienta família sobre matrícula de crianças em tenda montada no Festival Alasita, o mais tradicional da comunidade boliviana em São Paulo.

A metodologia de trabalho aliou duas áreas de referência da cidade Escola Aprendiz: a busca ativa escolar, por meio do programa Aluno Presente, e estratégias de mobilização e incidência pública desenvolvidas pela Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, projeto de prevenção e erradicação desta violação de direitos.

Das crianças e adolescentes identificados, 59 estavam fora da escola e receberam auxílio das duas articuladoras do projeto para matrícula. A matrícula de imigrantes e filhos de imigrantes foi um desafio em particular, envolvendo a presença da equipe nas escolas e nas instâncias de articulação com as secretarias municipal e estadual de educação.

Foi empregado um grande esforço para superar o descumprimento da legislação estadual e nacional de algumas unidades escolares, a fim de se garantir o direito à educação no Brasil para todos brasileiros e estrangeiros, sendo vedada a colocação de barreira à matrícula por conta da falta de documentação.

Outras 70 crianças e adolescentes em risco de evasão escolar foram identificadas no projeto. Suas famílias receberam orientação para sanear as condições que estavam colocando em risco a escolaridade de seus filhos, como falta de documentação, mudança de endereço, dificuldade de transferência de escola, dificuldades com transporte, distorção idade-série, problemas de saúde, entre outras causas. O projeto fez o atendimento e vinculação com essas famílias, procurando soluções por meio dos serviços e políticas públicas disponíveis, bem como valendo-se de parcerias com organizações sociais.

Em entrevista à Rede Peteca, Júlia Ventura, consultora estratégica do projeto, contou os principais pontos da consolidação da experiência. Confira:

Rede Peteca – A partir da sistematização do projeto, o que foi identificado como principal desafio?

Júlia Ventura – Nós tivemos um desafio novo, que foi aproximar a agenda da exclusão escolar com a agenda do trabalho infantil, na busca ativa. Mas na realidade, as duas agendas já são muito misturadas, porque o trabalho infantil é um dos principais motivos da exclusão escolar, principalmente na faixa etária mais velha, de adolescentes.

Especificamente nesse projeto, havia um viés da indústria têxtil. Isso fez com que a gente encontrasse um público mais especifico ainda, que era o público das imigrantes, em especial os bolivianos, por conta da territorialidade do projeto: Brás, Bom Retiro, Pari, Belém, Vila Maria e Vila Guilherme.

Rede Peteca – Como foi realizada a busca ativa?

Nós tínhamos uma equipe de duas profissionais de campo para circular nos seis territórios. Fomos buscando entender quais eram as estratégias mais interessantes para atingirmos a meta de identificação de 100 crianças em situação de trabalho infantil.

Nós partíamos da questão da exclusão escolar, como preocupação original, a partir da necessidade das crianças retornarem à escola, mas nosso objetivo mais específico era identificar casos de trabalho infantil, o que se mostrou estratégia bem interessante.

Se a procura fosse feita a partir dos casos de trabalho infantil, haveria uma resistência muito grande dos responsáveis. Mas nunca foi nosso objetivo trabalhar esse projeto na perspectiva da denúncia. Pelo contrário, a nossa perspectiva é de prevenção e de busca de soluções para que a criança não permaneça naquela situação.  A abordagem na perspectiva de exclusão escolar abriu as portas para circularmos nos territórios.

Rede Peteca – Como foi trabalhar com a população imigrante?

Júlia Ventura – Foi também um desafio, pois é uma população bastante fechada em si mesma. Por isso as parcerias com as instituições dos territórios foram essenciais para encontrarmos casos.

Buscamos parcerias com instituições de diversas naturezas, mas a maioria já realizava trabalhos com crianças e adolescentes e mais especificamente com a população boliviana e imigrante como um todo. Foi onde conseguimos a brecha para entrarmos nesse circuito, ganhando a confiança das pessoas, famílias e trabalhadores.

A partir da experiência, entendemos que regularizar a documentação no Brasil é muito caro. Então quando eles veem para o Brasil, eles já chegam com contatos de chefes bolivianos, donos de confecções, e normalmente com o sistema de moradia e trabalho previamente combinado. Muitas vezes, é realizada a troca do trabalho pelo aluguel, o que pode configurar trabalho escravo.

As famílias trabalham e vivem no mesmo ambiente ao mesmo tempo. Como as crianças passam muito tempo nas oficinas, acabam trabalhando também. Em algumas situações, há um cuidado maior. Em outras, as crianças realmente fazem faz parte da cadeia produtiva. A partir dos 12 anos, já encontramos casos em que são totalmente responsáveis pelo trabalho.

Alguns deles estudavam, mas outros estavam infrequentes ou fora da escola. É comum eles faltarem nas épocas de maior trabalho, pois é um mercado sazonal. A escola é o único momento do dia em que a criança fica fora do ambiente de trabalho.

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