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Faltam iniciativas de inclusão econômica e produtiva no combate ao trabalho infantil

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Crédito: Bianca Pyl

Os programas governamentais são poucos e a maioria não faz nenhuma conexão com políticas públicas de combate ao trabalho infantil

Para quebrar o ciclo do trabalho infantil são necessárias ações combinadas de diferentes atores e agentes governamentais, que possibilitem o acesso aos direitos básicos como educação, saúde, lazer, etc. Para ir além e, de fato, romper com a situação de vulnerabilidade social é fundamental que as ações incluam a família e não somente a criança ou o adolescente. Um dos temas importantes quando se trata do rompimento de ciclos de exploração de mão de obra infantil é a inclusão econômica e produtiva dos jovens e seus familiares.

A Rede Peteca apurou que atualmente existem poucas iniciativas como essa disponíveis. Além disso, somente duas (municipal e estadual) focam em jovens em situações consideradas de vulnerabilidade social, que recebem Bolsa Família, por exemplo.

Uma delas diz respeito aos Centros de Desenvolvimento Social e Produtivo (Cedesp), da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) de São Paulo. Os centros atuam na inserção profissional de jovens a partir de 15 anos e seus familiares de até 59 anos. O público prioritário dos centros são as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco, como é o caso do trabalho infantil. Além disso, crianças e adolescentes com deficiência – beneficiários ou não do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – e crianças e adolescentes oriundos de famílias beneficiárias de programas de transferência de renda também são atendidos.

Os adolescentes e suas famílias são encaminhados aos Cedesp via Centro de Referência de Assistência Social (Cras), após serem incluídos no Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada para vários programas sociais do Governo Federal.

O Cras atende casos de trabalho infantil em diferentes bairros de São Paulo, e de todo o Brasil. Normalmente, as crianças e adolescentes são abordados por agentes da assistência social do município e encaminhados ao Cras mais próximo de sua residência, onde deve comparecer com mãe, pai ou responsável.

Segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), o Cedesp desenvolve, juntamente com o Cras, “a articulação com a rede de proteção social do território, na perspectiva da intersetorialidade, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e a sustentabilidade das ações desenvolvidas, de forma a superar as condições de vulnerabilidade”.

Ao todo, na cidade de São Paulo, existem 60 unidades do Cedesp, com 11.780 vagas. De acordo com a secretaria, no ano de 2016, 31.447 pessoas foram atendidas nos centros; em 2017 foram 30.193 pessoas e em 2018 foram 32.905. Até março de 2019, cerca de 19 mil pessoas foram atendidas.

Solenidade de lan?ßamento do Arco Ocupacional do Desporto, que possibilita aos aprendizes acesso mais amplo ?† forma?ß?£o e inser?ß?£o profissional voltada ao setor esportivo (Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag?™ncia Brasil)

O Cedesp possui um percurso formativo com três módulos semestrais, começando pelo módulo convívio, passando pelo mundo do trabalho e, por fim, formação inicial continuada, conforme previsto no Guia Pronatec de cursos FIC – Formação Inicial e Continuada.

As opções de formação são Ambiente e Saúde; Controle e Processos Industriais; Desenvolvimento Educacional e Social; Gestão e Negócios; Informação e Comunicação; Infraestrutura; Produção Alimentícia; Produção Cultural e Design; Produção Industrial; Recursos Naturais; Segurança; Turismo, Hospitalidade e Lazer.

Os alunos saem com certificados dos cursos, após a conclusão de todas as aulas. “A finalidade é investir na formação profissional, assegurar o conhecimento ao mundo do trabalho e capacitar em diferentes habilidades, na perspectiva de ampliar o repertório cultural e a participação na vida pública, preparando-o para conquistar e manter a empregabilidade, autonomia, protagonismo social e formação cidadã”, de acordo com a Smads.

Governo estadual

O governo do estado possui o programa Ação Jovem, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo (SDS). A iniciativa atendeu, desde 2016 até o primeiro semestre de 2019, 181.781 jovens, em 642 municípios do Estado de São Paulo.

O programa tem como objetivo promover a inclusão social de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos com renda mensal familiar per capita de até meio salário mínimo nacional, prioritariamente até ¼ do salário mínimo, mediante ações complementares de apoio à iniciação profissional e transferência direta de renda, como apoio financeiro temporário do Estado no valor de R$ 80 por mês.

Segundo informações da SDS, os jovens que possuem cadastro no CadÚnico são selecionados pelo sistema da secretaria e as informações são enviadas para os municípios. “Uma vez que os jovens são selecionados, os municípios têm três meses para realizar a busca ativa fazer a vinculação no programa”. O Ação Jovem possui parceria com o Centro Paula Souza e atualmente 273 jovens estão vinculados ao programa.

Problema macro

De acordo com a socióloga Luciana Silveira, autora do Guia Passo a Passo Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil[1] , a redução da pobreza é um objetivo estratégico das políticas públicas, mas as ações intersetoriais para esse fim não estão claras.

“No site da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (SDE), por exemplo, não há nada específico sobre trabalho infantil”, explica. Ela acrescenta que a inserção em cursos ou capacitação profissional dos adolescentes em situação de trabalho infantil é feita por agentes do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas), que atuam nos territórios, de forma pontual. “É um esforço pessoal do próprio agente que precisa buscar as iniciativas e incluir os jovens”, avalia.

O extinto Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) tinha um protocolo de atendimento para os casos de trabalho infantil. O atendimento deveria ser iniciado com um acolhimento da família, um diagnóstico da situação social da família, depois encaminhamento para as políticas e também para a inserção produtiva – que pode ser capacitação/qualificação profissional com cursos de curta duração. “Essa inserção era para que esse sujeito pudesse gerar algum tipo de renda, seja por conta própria ou ser inserido em uma vaga de emprego”, detalha a pesquisadora.

“O que temos visto nos últimos meses em pesquisa de campo é que isso não está acontecendo na prática. Nós temos protocolos que estão desconectados com a realidade e o que acontece é por iniciativa do próprio agente [da assistência social]. Então se alguém no território do Jardim Ângela tem interesse em fazer o atendimento completo, faz. Mas a verdade é que ele não tem nenhum respaldo institucional para fazer esse atendimento como deve ser feito”, analisa Luciana.

A socióloga traz o exemplo de jovens a partir de 14 anos, que podem ser inseridos como aprendizes no mercado de trabalho. Mas, em São Paulo, as empresas contratam, principalmente, via Centro Paula Souza, que faz a capacitação técnica dos estudantes. “Então se você não tem uma inserção dentro do Paula Souza, isso já dificulta. Temos várias discrepâncias que tornam essa inserção mais complexas. E os agentes que estão no campo fazendo o atendimento das famílias nem sempre conhecem os programas que existem nos governos estaduais e municipais.”

De acordo com a socióloga, o Sistema Único de Assistência Social (Suas) , implementado em 2005, muda a visão da assistência social de algo clientelista, caridoso, para uma visão mais integral e de acesso aos direitos básicos. Contudo, para isso funcionar é necessário que haja uma integração entre os diferentes setores e as políticas públicas.

O que observa Carlos Alberto de Souza Junior (conhecido como Churras), da Sociedade Santos Mártires, que atua na região do Jardim  Ângela, é que quando um adolescente consegue ser inserido em algum programa socioeducativo, muitas vezes, abandona as aulas para trabalhar. E os trabalhos são precários, perpetuando o ciclo de trabalho infantil. Isso mostra que os cursos oferecidos não conseguem de fato inserir o jovem no mercado de trabalho.

De acordo com Churras, são poucas opções de programas governamentais com foco na inclusão produtiva ou formação profissionalizante. Além disso, falta estrutura para inserir os jovens no mercado de trabalho. “Precisa melhorar a articulação entre formação e acompanhamento socioassistencial para dar conta das demandas e também para que o jovem não deixe de estudar. O que temos para oferecer aos jovens que saem  ou tentam sair da situação de trabalho infantil?”, questiona Carlos.

É importante considerar que além do jovem, é necessário inserir a família. “Uma bolsa de 90 reais não dá estrutura para a família. Antes da inserção econômica, precisamos garantir uma formação de qualidade, que possa cuidar do jovem e da família até que ela consiga sair da situação de vulnerabilidade”, finaliza o agente da Sociedade Santos Mártires.

Outras iniciativas estaduais

Tanto a iniciativa Aprendiz Paulista quanto o programa Estadual de Qualificação Profissional, ambos da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, não priorizam jovens em situação de vulnerabilidade ou mesmo inseridos no CadÚnico e no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), de acordo com informações da secretaria.

O programa Aprendiz Paulista atua com estudantes de 14 a 24 anos do Centro Paula Souza e auxilia na procura por estágios compatíveis com os cursos que estão fazendo. Em 2016 o programa atendeu 1.467 jovens, sendo 588 na cidade de São Paulo; e 1.209 em 2017, sendo 472 no município de São Paulo. A secretaria não forneceu os dados dos anos seguintes. O programa não tem um acompanhamento em relação à empregabilidade dos participantes.

O programa Estadual de Qualificação Profissional (PEQ) tem um impacto maior e atendeu, entre 2016 e 2019, um total de 72.037 pessoas, sendo 10% do total de vagas no município de São Paulo. Desse total, 15.889 têm entre 14 e 18 anos. De acordo com a secretaria, o PEQ – implementado em 2011 –  tem objetivo de qualificar trabalhadores desempregados para que retornem ao mercado de trabalho. “O programa ainda conta com oferta de curso e a busca pelo trabalho.

A previsão é que este ano sejam qualificados até 58.500 trabalhadores. O PEQ não tem um acompanhamento da inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho. O programa também oferece uma bolsa auxílio de R$ 330 para alimentação e transporte. Como durante o curso de qualificação há o pagamento de duas bolsas por pessoa, o valor total é de R$ 660.

A formalização é um caminho importante para inserir jovens que estiveram em situação de trabalho infantil. Ela fará com que esse sujeito na vida adulta também tenha acesso aos empregos formais e não precários. Na avaliação de Luciana, a aprendizagem pode proporcionar isso. Se um adolescente abandona os estudos, as chances de ter empregos formais diminui e com isso o ciclo de precariedade acaba sendo inevitável.

Empreendedorismo

O governo federal está com duas iniciativas relacionadas à inclusão econômica, com foco no empreendedorismo. O curso de educação a distância Inova Jovem, da Secretaria Nacional de Juventude – do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos -, disponibiliza aulas sobre empreendedorismo para jovens de 15 a 29 anos.

De acordo com a assessoria do ministério, o projeto pretende auxiliar no combate à violência e desigualdade social, estimulando a autonomia financeira dos jovens, por meio de ações de empreendedorismo e geração de renda. Até o final dos 100 dias do governo de Jair Bolsonaro, foram abertas 160 turmas nas cinco regiões do país.

Outra iniciativa é o projeto Estação Juventude 2.0, voltado para jovens de 15 a 29 anos, que tem foco em disseminar informações sobre políticas públicas e programas voltados para a juventude. Entre as opções oferecidas pelo projeto estão atividades voltadas ao empreendedorismo, trabalho, saúde, educação, cidadania, desenvolvimento sustentável, direitos humanos, tecnologia da informação, turismo, cultura, esporte e lazer.

A reportagem solicitou à assessoria de imprensa do Ministério mais detalhes em relação ao conteúdo dos cursos e se os jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social seriam prioridade, mas não obteve retorno.


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