publicado dia 15/08/2018

Barcarena, a capital nacional do sistema de garantia de direitos da criança

por Anna Luiza Calixto

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15/08/2018|

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“Não é um evento. É uma formação continuada; uma capacitação para quem interessar possa e faça parte da rede protetiva.” Tendo esta como a premissa das atividades que decorreram no Simpósio Nacional de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos, a cidade de Barcarena, no Pará, recebeu de 7 a 10 de agosto cerca de 1,3 mil pessoas dos quatro cantos do país (especialmente os paraenses, que compareceram em massa) para promover a discussão coletiva e qualificada do caminho da proteção aos direitos da infância e da adolescência no território nacional.

Luis Pederneira dando apoio à Campanha Chega de Trabalho Infantil, ao lado da colunista da Rede Peteca, Anna Luiza Calixto (Foto: Ana Paula Calixto)

Luis Pederneira dando apoio à campanha Chega de Trabalho Infantil, da Rede Peteca, ao lado da colunista Anna Luiza Calixto

Crédito: Ana Paula Calixto

O simpósio contou com 47 palestrantes brasileiros e, ainda, com a participação de Luiz Pederneira, representante do Uruguai no Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas e integrante do Conselho Executivo do Instituto de Estudos Legais e Sociais do Uruguai (IELSUR). Pederneira fundou, em 2011, a Comissão Nacional Contra a Redução da Idade Penal, que levou adiante o trabalho para frear a reforma constitucional que buscava levar os adolescentes ao sistema penal com a mesma processualidade dos adultos. Ele contribuiu para o simpósio, ministrando a aula magna sobre as suas experiências no combate à objetificação da criança e do adolescente no sentido de posse institucional e adulta.

E por falar em empoderamento da infância e da adolescência, quem também marcou presença no simpósio foi o Núcleo de Cidadania de Adolescentes de Barcarena. Esse é um coletivo de meninas e meninos que promoveu a discussão entre o público infantojuvenil e os atores da rede protetiva, fortalecendo os vínculos e derrubando o abismo que existe entre as faixas etárias dentro desta discussão.

A cultura do Pará no simpósio

Outras instituições, projetos, ONGs e ações da prefeitura estiveram conosco e apresentaram manifestos que exploraram a cultura do Pará, rico em suas danças, cores e sotaques. Não houve quem não se emocionasse com as crianças locais entoando o hino nacional ou com os adolescentes “batuqueiros”, como se chamam, reforçando a necessidade da denúncia através do Disque 100.

A jovem Beatriz Martins, apresentando o trabalho desenvolvido por sua ONG Olhar de Bia (Foto: Anna Luiza Calixto)

A jovem Beatriz Martins, apresentando o trabalho desenvolvido por sua ONG Olhar de Bia

Crédito: Anna Luiza Calixto

Adolescentes e jovens de outros estados, cujas iniciativas sociais têm transformado o Brasil, também se fizeram presentes, como a empoderada Beatriz Martins, que fundou a ONG Olhar de Bia (Guarulhos) aos seis anos de idade e, hoje, já impactou a vida de mais de 100 mil meninos e meninas no esporte, solidariedade, doação de alimentos e consciência social – tudo isso através do primeiro contato que a jovem teve com a vulnerabilidade social de crianças e adolescentes, ainda criança.

Trabalho coletivo

A articulação para a realização de tal formação continuada se deu com muitas mãos que trabalharam incessantemente para que todos pudessem usufruir o máximo de toda a discussão e sanar quaisquer dúvidas acerca dos seus trabalhos enquanto conselheiros tutelares, professores, profissionais do CRAS, CREAS e SUAS, bem como funcionários de repartições diversas da prefeitura, advogados, assistentes sociais, psicólogos e abordadores sociais, cuja atuação no território causa impactos muitas vezes irreversíveis na vida de meninos e meninas de todo o Brasil.

Anna Luiza Calixto

Marcelo Nascimento ministrando roda de conversa para os conselheiros tutelares na praça central da Vila dos Cabanos

Crédito: Anna Luiza Calixto

Para que o simpósio pudesse acontecer, a organização se desdobrou intensamente. Consultor da K&M Consultoria, presidente da Associação de Conselheiros e Ex-conselheiros Tutelares de São Paulo e ex-coordenador da Política de Fortalecimento dos Conselhos Tutelares do Governo Federal, Marcelo Nascimento trabalhou diuturnamente ao lado da equipe de organizadores, dentre os quais podemos citar Katiele Felippe, Rocheli Tugera e Patrícia Kelly, além de toda a prefeitura de Barcarena, que estendeu seus braços para todo o Brasil.

“O simpósio é o ponto de encontro daqueles que acreditam na necessidade de pautar a infância. Não buscamos ser a melhor ou a maior formação para este público, trabalhamos para acolher todos da melhor maneira com todas as dificuldades que a organização de uma formação pode trazer, mas pensando sempre que cada profissional que saia daqui capacitado pode salvar uma criança ou um adolescente no seu território”, esclareceu Marcelo, em entrevista exclusiva à Coluna Quem tem boca vai à luta, da Rede Peteca. Veja mais  uma parte da entrevista no vídeo a seguir:

Minicursos

Palestrantes de todo o território nacional se dividiram nos 16 minicursos e diversos painéis abordando temáticas como a intersetorialidade entre a assistência social, a saúde e a educação na promoção dos direitos de crianças e adolescentes; direitos humanos de alunos com deficiência e a construção de uma educação inclusiva; adolescentes em ato infracional e a importância das medidas em meio aberto; primeira infância e vulnerabilidade social; desaparecimento e o tráfico de pessoas; boas práticas na promoção, defesa e atendimento de crianças e adolescentes…

Turma do Mini Curso “Boas práticas na promoção, defesa e atendimento de crianças e adolescentes”, ministrado pela colunista da Rede Peteca, Anna Luiza Calixto (Foto: Equipe de Apoio)

Turma do Mini Curso “Boas práticas na promoção, defesa e atendimento de crianças e adolescentes”, ministrado pela colunista da Rede Peteca Anna Luiza Calixto

Crédito: Equipe de Apoio/Simpósio

Numerosas temáticas foram trabalhadas em salas de aula, auditórios, salões de igrejas e todos os espaços cedidos pelos parceiros locais da cidade de Barcarena. Além deles, houve rodas de conversas em espaços abertos, como a praça central da Vila dos Cabanos, em que centenas de conselheiros tutelares se reuniram para discutir a realidade da categoria no atual governo.

Ainda o simpósio oportunizou que pessoas de todos os segmentos e partes do Brasil pudessem conhecer a realidade das violações de direitos e da atuação da rede em outras regiões, além de confraternizar dentro de espaços como a tradicional noite cultural, que recepcionou os participantes da Formação para que pudessem conhecer a cultura do Pará. O momento contou com apresentações culturais do balé infantil local, do famoso carimbó e o cortejo do boto.

“Não me toca, seu boboca!”

Materiais pedagógicos foram apresentados, sorteados e distribuídos, além do conteúdo literário apresentado no simpósio. Andrea Viviana Taubman, autora da obra “Não me toca, seu boboca!”, apresentou o livro, que é uma ferramenta para a prevenção ao abuso sexual direcionada ao público infantojuvenil. Ritoca, uma coelhinha humanizada, tem sua história contada ao lado de outros animais que são convidados para brincar na casa do Seu Pipoca, um lobo que se esconde sob a pele de um carneiro e se aproxima dos pequenos na tentativa do abuso.

“É difícil falar sobre abuso sexual com crianças e adolescentes, eu sei que é. Mas é extremamente necessário abordar estes temas, especialmente na literatura infantil. Ensinar o poder do não e da denúncia, credibilizar o discurso infantil e ser capaz de conversar abertamente a respeito, este é o caminho. Levei sete anos escrevendo e reescrevendo este livro, até alcançar a máxima sutileza e clareza na discussão. E muito me impressionam os relatos de meninos e meninas que vocalizaram transtornos e violências através do contato com a Ritoca”, conta Andrea, em entrevista exclusiva à Coluna Quem tem boca vai à luta, da Rede Peteca. Veja mais uma parte da conversa no vídeo:

Conhecimento de causa

Na alça do combate e enfrentamento às violações de direitos, um dos painéis que mais chamou a atenção do público presente foi apresentado pelo procurador do trabalho do Estado do Ceará e titular da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), o doutor Antônio de Oliveira Lima, responsável por diversas ações do Peteca. Bem como a doutora Maria Zuíla Lima Dutra, desembargadora do trabalho do TRT da 8ª Região, além de gestora nacional e coordenadora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho. Ambos apresentaram o embasamento teórico dos malefícios do trabalho infantil e da necessidade de convocarmos diferentes repartições da sociedade para que contribuam para esta luta.

O que realmente surpreendeu a todos foi a vivência de Antônio e Zuíla como crianças que tiveram seus direitos violados no exercício do trabalho infantil – ele na agricultura e ela na venda de merenda em fábricas. Histórias de resiliência que encontraram no resgate da infância uma oportunidade de construir um futuro digno e pautado na defesa de outros meninos e meninas que, assim como eles, precisam ser alvo do duro ofício do trabalho precoce.

O doutor Antônio de Oliveira Lima ainda narrou parte do trabalho que vem desenvolvendo nos quatro cantos do país articulando a formação dos Comitês de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. A iniciativa promove a inclusão da criança e do adolescente no combate e enfrentamento do trabalho infantil, promovendo tal discussão dentro dos espaços de convivência deste público.

Painel montado por crianças e adolescentes de Barcarena (Foto: Anna Luiza Calixto)

Painel montado por crianças e adolescentes de Barcarena

Crédito: Anna Luiza Calixto

Esperança organizada

O Simpósio Nacional de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos foi lar de discussões imprescindíveis na semana do dia 7, construindo a discussão em um novo formato: diferentes áreas e repartições da rede protetiva dialogando sobre suas realidades, promovendo a intersetorialidade e repartindo suas perspectivas de atuação para multiplicar os resultados.

Como dizia Paulo Freire, “esperança que não se organiza morre”. E o que é o simpósio senão um momento de articulação da esperança? Um campo de treinamento para a atuação no território? Um ponto de encontro daqueles que transformam sua indignação em força para lutar? Um pouco de cada um para a soma do todo. Um pouco de todos para que cada um dê muito de si. Formar e capacitar para transformar. Tirar a esperança do papel e conduzi-la para a realidade de quem realmente importa, nossos meninos e meninas.

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